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À classe política: em breve alguém riscará o fósforo


Não se assuste com o titulo do post. Não quero que uma tragédia aconteça, não quero que ninguém sinta dor--não quero. Mas quero, sim, que algo pegue fogo. Quero que esse fogo metafórico clareie nossa política, quero—muito--que nossos corruptos paguem pelo mal que causam ao povo.

Escrevo esse post por causa de uma tragédia que começou assim, com fogo.

Semana passada, um incêndio em um clube noturno de Bucareste deixou 32 mortos. As consequências desse incêndio? Uma revolução.

Mais que funerais em massa e lágrimas, o que o incêndio causou está queimando nas ruas, (hoje, 4/11, somam 60.000 nesse momento), uma revolta há muito necessária que cresce cada dia mais e não dá sinais de desaceleração.

Certa vez ouvi de um professor que, embora muitas mudanças ocorressem através do diálogo, era através do calor (de sentir as coisas esquentando) que as verdadeiras mudanças aconteciam. Para quem não sabe, eu vivi dois anos na Romênia. Minhas impressões não poderiam ser melhores e ao mesmo tempo, piores.

Melhores por que aprendi a respeitar aquele povo trabalhador que vive com MIGALHAS. Piores porque tive a impressão de viver em um abatedouro, e os Romenos eram o gado para o abate.

Voltando ao incêndio, depois da tragédia o prefeito do Distrito 4 de Bucharest (o imbecil que autorizou o clube a funcionar) disse que a prefeitura não tinha responsabilidade sobre o incêndio por que a licença para sua operação fora dada legalmente.

An-ham, pensam os romenos em coro.

Eu morei lá. Eu tenho certeza de que aquela licença foi dada de maneira irregular. (Para comprovar, o texto abaixo)

Por dois anos eu vivi angustiada com aquele jogo de “nós fingimos que governamos e vocês fingem que a gente governa.” De hospitais onde enfermeiras cobram por fora dos pacientes para serem atendidos até loucuras como cobrar de alunos para passar de ano, eu e meu marido vimos de tudo. (Para terem uma ideia, fui fazer um exame e saí da sala do médico com “suspeita de câncer”. Sem saber onde estava metida, me submeti a uma operação para a retirada de um suposto ‘cisto cancerígeno’—que milagrosamente se mostrou benigno. Conselho da minha vizinha Libanesa? Quando estiver doente voe para seu país.)

Voltando à revolução, depois da pérola do prefeito o povo foi para as ruas. Dez mil pessoas se concentraram no primeiro dia na frente da Piaza Victoriei, no centro da cidade, cobrando responsabilidades. Era isso que achavam que queriam: responsabilidade.

Porém, a massa não pensa como o indivíduo. Uma vez lá, os gritos começaram a mudar. De “queremos a cabeca de alguém” passaram a entoar “assassinos” e “não sairemos daqui até que vocês saiam. “

O número de pessoas cresceu. Junto, o povo decidiu ir andando até o prédio do governo. Pediram a cabeça do primeiro ministro, já atolado em denúncias de corrupção. Mais cidades aderiram ao movimento, como em 1989, quando os romenos derrubaram sua pior ditadura.

E o Primeiro Ministro e o prefeito, o que aconteceu a eles?

Ambos caíram, e nao deixarão saudade.

Deixe-me contar algumas coisas sobre a Romênia: (O texto abaixo foi parcialmente traduzido de um desabafo nos jornais da capital Bucareste)

--"A manifestação não tem mais a ver com o incêndio da discoteca. Não tem mais a ver com a denúncia de corrupção do primeiro Ministro. Os protestos são contra todo o sistema, toda a classe política. Romenos, ao contrário da imagem infeliz projetada no exterior, são tolerantes, respeitosos das leis e pacatos. Querem sonhar, viajar, se divertir como nós, mas não podem. Não podem por que o sistema foi criado desde o início para favorecer apenas os poucos que tiveram a sorte e conexões para estar no poder após a revolução."

--"Este protesto não é sobre um incêndio. É sobre os médicos que têm de viver com suas famílias em um apartamento de um quarto. É sobre escolas e universidades, onde a quantidade de dinheiro que você coloca no bolso de alguém está diretamente relacionado ao que está impresso em seu diploma. É sobre pessoas morrendo nas ruas devido à falta de serviços elementares, enquanto à Igreja Ortodoxa é concedido 25 milhões de euros para construir uma nova catedral (em um país que já tem mais de 16.000 igrejas). [...] E é sobre a corrupção que conduz diretamente ao incidente da boate, em que a única maneira de fazer algo na Romênia acontecer é pagando alguém para que aconteça."

Na Romênia, assim como no Brasil, a democracia falhou. Cada nova eleição trouxe a mesma classe política, com o mesmo desprezo pelo povo e a mesma vontade de se autobeneficiar. “O incidente da casa noturna não é a razão pela qual isso está acontecendo. Os barris de pólvora estão sendo empilhados desde o início dos anos 90, mas o fogo em Bucareste foi o que finalmente acendeu o pavio. "

Os acontecimentos na Romênia servem como um aviso para os nossos corruptos: cuidado com o povo quando este estiver farto de sujeira. Nós os colocamos no governo como depositários de nossas esperanças, mas vocês mostraram-se indignos do cargo. Deveriam ter honrado nossa confiança, mas preferiram legislar em causa própria--foram egoístas, mesquinhos e desonrados.

O povo pode ter pouca instrução (uma meta atingida por sua classe) e parecer alheio, mas uma hora o copo transbordará. Quando, ninguém sabe--essas coisas costumam pegar a todos de surpresa.

***Minha colaboração para que esse dia chegue logo: Filme "How to start a revolution", baseado nas ideias de Gene Sharp, americano nomeado para o Nobel da Paz em 2015, fundador da Instituição Albert Einstein, organização sem fins lucrativos dedicada a promover o estudo de ações não-violentas e professor emérito de ciências políticas da Universidade de Dartmouth. Sua extensa obra sobre luta não-violenta têm influenciado numerosos movimentos de resistência anti- governamentais em todo o mundo (como por exemplo a Primavera Árabe), e um de seus maiores exemplos é a revolucão de 1989 da Romênia.

Aqui você tem acesso aos seus 198 métodos de acões não violentas para protestos.


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