top of page

Mulher Branca Flecha Amarela

Ela responde por Vania Pereira da Silva—mestre, professora, escritora e ativista da questão indígena--ou Kunhã Morotĩ Hu'yju (Mulher Branca Flecha Amarela). Vivendo há mais de 25 anos entre os povos Guarani e Kaiowá, Vania recebeu seu nome indígena de um líder guarani da aldeia Porto Lindo, no sul do Estado do MS. Estudiosa da etnia, foi apontada por outra pesquisadora como a “não-indígena que mais entende de Kaiowá nos dias de hoje.”

E é sobre eles—os povos Kaiowá--que ela fala em seu livro Jegwaká (clique no link). Segundo a autora, o livro trata disso: da mitologia daquele povo, das suas crenças e seu jeito de ser. Fantasia e história se misturam, desenvolvendo-se de maneira harmoniosa em um tempo anterior à "chegada dos clãs que vieram pelo mar", ou seja, um tempo pré-colombiano.

Escrever o livro, para ela, “foi uma forma que encontrei de fazer resistência, de mostrar, valorizar e trazer à tona a importância desses povos destruídos pelo etnocídio e genocídio pouco divulgado.”

Um pouquinho sobre o livro: Em Jegwaká (que na lingua Kaiowá quer dizer “cocar”), o clã Te’ýi habita o centro da Terra, organizando-se em grandes famílias. O clã é guerreiro, mas também “silencioso, quieto, contemplativo e, principalmente, lida diretamente com os Járy ( Os Donos), habitantes de diversos patamares do cosmos.”

O livro conta sobre uma família nuclear a quem “os Donos” deram três filhos. Essas crianças vieram com um propósito que ainda desconhecem, mas embarcarão na aventura para descobrir quem são e por que vieram.

Jegwaká é escrito com lirismo, detalhes fascinantes, uma riqueza de palavras e imaginário sem igual. A obra foi recomendada pela equipe de embaixadores do Wattpad em 2015 e está disponivel gratuitamente na plataforma para escritores Wattpad! :)

Interessada pela história–e embalada pelas notícias da PEC215 que propõe mudanças nas demarcações de terras indígenas, resolvi estudar o assunto e responder à pergunta que faço antes de postar um artigo aqui.

Por que o livro de Vania está aqui, nessa página sobre escritores que mudam o mundo?

Porque somos gente, e gente se compadece da dor do próximo. E porque, se não ouvirmos o que Vania e os povos indígenas estão tentando dizer, o mundo como o conhecemos ficará muito, mas muito pior que está.

E por que eu, que prometi não entrar em política na página, vou quebrar minha própria regra e postar um texto desses? Tenho duas boas razões para isso: André e Nina. Meus filhos. Que verão, ainda em vida, poeira sair de uma torneira que um dia trouxe água. Que lerão em um futuro próximo sobre a extinção das onças ou sobre a morte do último elefante mantido em um zoológico qualquer.

Dramático? Leia o post até o fim. Leia também estatísticas que andam divulgando por aí sobre a vida selvagem e os prognósticos para os próximos 50 anos. Junte os dados. Faça as contas.

O texto resumido aqui não é de minha autoria. Sua autora é Eliane Brum, repórter, escritora e documentarista, e se chama "Os índios e o golpe na Constituição - Por que você deve ler essa coluna “apesar” da palavra índio".(Postado em abril de 2015, na íntegra, aqui)

Seu texto começa assim: “Ao escrever a palavra ‘índio’, perco uma parte

dos meus leitores. É uma associação imediata: “Índio? Não me interessa. Índio é longe, índio é chato, índio não me diz respeito”. E, pronto, clique fatal, página seguinte.”

O problema? “Há um golpe contra a Constituição em curso no Congresso

Nacional. Para ser consumado, é preciso exatamente o seu desinteresse.

Interessou-se? Por favor, balance a cabeça para cima e para baixo. Isso aí!

O que a PEC 215 quer, resumidamente, é transferir do Executivo para o Congresso o poder de demarcar terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação.

Ah, mas só isso?

Leia a opinião dos Guarani Kaiowas sobre o assunto do qual a PEC trata:

“Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar nossa extinção total [...] Este é o nosso pedido aos juízes federais”.

Vamos por tópicos.

--A PEC 215 é um golpe. Ninguém quer aprimorar a Constituição, e sim burlá-la. A demarcação de terras indígenas, quilombolas e de conservação não foi atribuído ao Executivo pela Constituição "por acaso [...] e sim por critérios claros, estudados em profundidade, com o objetivo de reconhecer direitos e proteger o interesse de todos os brasileiros.” [...] “Na prática, a PEC 215 é apenas a pior entre as várias estratégias em curso para acabar com os avanços da Constituição no que diz respeito à preservação do meio ambiente e aos povos indígenas, aos quilombolas e aos ribeirinhos agroextrativistas que o protegem.”

- Segundo Brum, a PEC 215 tornou-se uma espécie de pacote maligno. Ela pretende determinar que apenas os povos indígenas que estavam “fisicamente” em suas terras na promulgação da Constituição de 1988 teriam direito a elas. Assim, todos aqueles que foram arrancados de suas terras tanto por grileiros quanto pelos projetos de ocupação promovidos pelo Estado seriam agora expulsos em definitivo."

Pausa para o meu comentário contemplativo e profundo: oi?!?

Isso nada mais é que legalização de crimes, "por que os índios tirados de suas terras pela força lá atrás seriam “culpados” por não estarem nelas, perdendo-as para sempre."

- “Sem a terra de seus ancestrais, um índio não é. Não existe. Os Guarani Kaiowá, uma das etnias em situação mais dramática do Brasil e possivelmente do mundo, testemunham o suicídio de um adolescente a cada seis dias, em geral enforcado num pé de árvore, por falta de perspectiva de viver com dignidade no território dos seus antepassados."

- "O direito ao território ancestral é uma garantia fundamental da Constituição porque a terra é parte essencial da vida dos índios. Sem ela, condena-se povos inteiros à morte física (genocídio) e cultural (etnocídio). Eles preferem ser extintos a ser expulsos mais uma vez.

Revoltado? Calma. Tem mais.

- “Há algo ainda pior na PEC 215. Ela pretende abrir exceções ao usufruto exclusivo dos povos indígenas, como arrendamentos a não índios, permanência de núcleos urbanos e propriedades rurais, construção de rodovias, ferrovias e hidrovias.” Para etnias inteiras--talvez para todas elas—seja este o fim. Afinal, todos sabemos o bem danado que o progresso brasileiro, via de regra, traz ao meio-ambiente.

--A PEC pode não te interessar, mas interessa muito a alguns. Quem? Oras, à bancada ruralista, organizada, brava e muito bem financiada. Ah, mas não são eles que colocam a comida na nossa mesa? Eliane Brum responde: "Me parece que não. Produtores rurais inteligentes e com espírito público, sejam eles pequenos ou grandes, sabem que precisam de água para produzir. Se precisam de água [...], precisam de floresta em pé. Se precisam de floresta em pé, precisam de terras indígenas e de áreas de conservação.” [...] “Segundo o Portal de Políticas Socioambientais, em análise feita a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo menos 20 dos quase 50 deputados da comissão especial que analisa a PEC 215 foram financiados por grandes empresas do agronegócio, de mineração e de energia, por empreiteiras, por madeireiras e por bancos. Alguns destes parlamentares receberam, sozinhos, mais de um milhão de reais de empresas ligadas a esses segmentos."

Sabe o que essas empresas não querem? Floresta em pé.

A única maneira desses negócios colocarem as mãos nas terras públicas e protegidas onde os índios vivem é desprotegendo essas terras, e a maneira como acharam para fazer isso é "dando um golpe na Constituição, [...] travestindo esse golpe de legalidade pelo processo legislativo. Junta-se a isso um governo fragilizado, com baixa aprovação popular e pouco apoio até mesmo entre suas bases, e o Congresso mais conservador desde a redemocratização. Pronto, estão dadas as condições para o crime.”

Entenderam? Eu poderia usar aqui a gracinha “posso desenhar”, mas depois de tudo que li perdi o ânimo para desenhos.

Brum finaliza seu texto dizendo que "Lutar democraticamente para barrar a PEC 215 não é uma atitude altruísta, não é um esforço para respeitar os direitos indígenas [...] Barrar a PEC 215 é atender ao nosso instinto de sobrevivência num mundo em que as mudanças climáticas são possivelmente o maior desafio da história humana nesse planeta, que é o único que temos e que destruímos. Se o golpe à Constituição for consumado, o meio ambiente no Brasil perderá boa parte das barreiras que ainda impedem a devastação, reunindo condições e abrindo espaço para a aceleração da corrosão da vida."

O texto de Eliane Brum é completo, claro e muito melhor que o resumo acima, mas sei que temos todos um tempo curto para ler, e achei que resumí-lo seria uma boa ideia para o meu blog. Todos os créditos e brilhantismo na explicação são unicamente dela.

Retirado daqui como também daqui.

Quer dar uma olhada, como eu, na cara (de pau) dos ruralistas que sustentam essa barbárie? Clique aqui

(Eu não gostei do que vi. Diga-me depois o que você viu.)


Destaque
Tags
Nenhum tag.
bottom of page