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Quem é Margaret Atwood?

"Uma palavra depois de uma palavra depois de uma palavra é poder." Margaret Atood

Margaret Atwood é uma escritora canadense considerada uma das melhores em seu país. Tudo que ela escreve é mágica, ouro sobre linhas. Sua escrita é densa, profunda, cheia de camadas--a cada página preciso parar a leitura só para pensar no que ela disse. Quando eu resolvo encarar uma leitura assim, é ela quem eu escolho.

Só para terem uma ideia, Atwood foi escolhida juntamente com outros 99 escritores para fazer parte do Projeto “Future Library.” Neste projeto foi enterrada uma ‘cápsula do tempo literária’ contendo cem livros de cem autores diferentes no solo de uma floresta fria da Noruega. Esta cápsula só será aberta daqui a cem anos! Se isso não é interessante, eu não sei o que é.

O livro que escolhi para falar aqui é, para mim, o seu melhor: O Conto da Aia (Rocco, 2006) Na época em que eu o li, fiquei tão fascinada que saí lendo tudo dela (escrevi até uma espécie de fan-fic baseada nesse livro no Wattpad, mas não terminei).

A distopia se passa no futuro, durante os anos de um estado cristão totalitário e fundamentalista. Quem narra a história é um mulher que que ocupa a mais estranha das castas: a aia.

Não espere ação na narrativa—a protagonista nos carrega para o ritmo dela, lento. Enquanto, comparativamente, Jogos Vorazes nos lança a Panem com tanta maestria que pensamos o tempo todo em como desenvolver técnicas de sobrevivência para os jogos, o livro de Atwood faz o contrário. Ele nos paralisa, pois não há nada que possamos fazer.

Não nós, mulheres, pelo menos.

Para aqueles curiosos a respeito, a história é mais ou menos assim:

Gilead, (ex EUA), em um futuro não muito distante. Um golpe militar abole os direitos civis. Quem mais sofre com o golpe, elaborado por fanáticos religiosos, são as mulheres.

Elas são separadas por castas: esposas de comandantes, martas (cozinheiras), trabalhadoras populares e aias (parideiras.) Quando as mulheres pararam de engravidar (primeiro porque queriam crescer na carreira, depois, porque os acidentes ambientais afetaram sua fertilidade), os homens tomaram o poder e decidiram--por elas--o que seria melhor para elas.

Livros queimados, escolas suspensas para mulheres, tudo explicado e justificado: 'o mundo precisa protegê-las', ou 'estamos fazendo isso para o seu bem.' As pecadoras férteis viraram aias, que moram com os casais abastados (e estéreis) e fazem sexo uma vez por mês com os comandantes. Se tiverem sorte, engravidam e podem entregar seus bebês às esposas que, não raramente, as odeiam. Sem identidade, elas ganham também outros nomes. A protagonista, que nunca revela seu nome verdadeiro, se chama Offred—Of Fred (do Fred.) Até no nome são posse de alguém.

É de dar arrepios durante a leitura. A trama de Atwood é sombria, estranhamente atual-- mesmo depois do movimento feminista ter ganhado espaço, mesmo o livro tendo trinta anos de idade.

A sociedade que parece colocar a religião sobre todas as coisas está longe de ser o bastião das virtudes morais. Como em qualquer lugar, seu moralismo é para inglês ver. Os médicos ginecologistas, únicos homens que podem tocar nas aias sugerem engravidá-las como 'favor', e os comandantes--as mentes por trás dos golpes--frequentam clubes particulares secretos e deram à profissão mais antiga do mundo um espaço nessa sociedade também.

A distopia de Atwood, um clássico tanto quanto 1984, de George Orwell

e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, é fresca e estranhamente possível, por que regimes patriarcais ainda tomam o poder de países inteiros e mulheres são propriedade de seus maridos/ pais/irmãos em muitos cantos do mundo.

Como diz Atwood, "Somos úteros bípedes, nada mais: vãos sagrados, cálices ambulantes. "(p.147)

​Eu poderia escrever uma tese sobre o livro, mas vou encerrá-lo com a pergunta: Por que Margaret Atwood é tema de um post nessa página?

Porque o livro trata de questões de gênero, religião, fundamentalismo e identidade. Por que essa mulher maravilhosa é uma defensora ferrenha do meio-ambiente, e uma feminista sensata e inteligente. E por que ela nos faz pensar que, mesmo com toda a liberdade conquistada, seremos sempre as procriadoras, aquelas que trazem os bebês ao mundo--o que aconteceria, então, se parássemos de trazê-los?

Segundo Atwood, nossa função se tornaria motivo de disputa. Seriamos raras e valiosas demais para vivermos sob nossas próprias regras.

(DIZ que isso nao te põe para pensar?)

Ao final do livro, Margaret Atwood faz uma brincadeira. O relato da Aia é encontrado séculos depois que Gilead acabou. O texto é lido em uma universidade por cátedras—todos homens—que o discutem, questionam sua veracidade e fazem piadas de leve cunho machista. Séculos depois, toda a questão está revestida de trajes novos, reinventadas mas não muito, em uma nova sociedade da qual Atwood não nos dá sequer um vislumbre, mas nós, mulheres, conseguimos imaginá-la muito bem.

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